segunda-feira, 19 de março de 2012

Leiteria - Uma ducha no pó-de-arroz

Por Gilson Moura Junior

A torcida Vascaína planeja protestar  contra o racismo sofrido pelo Zagueiro Dedé  por parte da torcida paraguaia no jogo de ida contra o Libertad no Paraguay. Este protesto será feito no jogo que fará contra o mesmo time em São Januário pela Copa Libertadores. 

Este ato da torcida relembra o ocorrido em 1924 quando em repúdio ao ato da AMEA (Associação  Metropolitana de Esportes Athleticos) de excluir o Vasco da disputa do Carioca acusando-o de usar atletas profissionais no campeonato, que era amador.  

A AMEA era um embrião do que é hoje a FERJ, e buscava impedir, liderada por Fluminense, Flamengo e Botafogo,  que o Vasco continuasse triunfando nos campeonatos cometendo dois pecados: O de usar negros e mulatos e o de usar negros e mulatos pagos para jogar.

Não dá obviamente pra reduzir tudo a um repúdio racista dos clubes da Zona Sul e nem tampouco ignorar que havia também um repúdio à profissionalização. Além disso, é obrigatório citar que o Bangu, primeiro clube a ter negros em seus times e que sempre os teve, o América, outro clube que desde 1904 também possuía negros em seus times, também ficaram do lado dos grandalhões da elite ( E isso nem sou eu quem digo, é só fuçar no "O Negro no Futebol Brasileiro" do Mário Filho), o que leva à problematização da questão embutindo o tema do profissionalismo no papo. 

No entanto é inegável que todo o processo, inclusive  o motivo da ojeriza ao profissionalismo, era um problema cujo plano de fundo era a recusa da ampliação de quadros negros e mulatos na prática do Football que teimava em querer virar futebol.

Esse movimento levou ao Vasco a ganhar mais do que pontos na História, sendo um orgulho pra o clube, sua torcida e atraindo vários militantes dos movimentos anti-racistas para sua esfera de atração. E óbvio que isso com imensa razão, porque a postura do Clube foi exemplar em uma ilha de racismo, elitismo e exclusão que era o futebol no inicio do século XX que teimava em manter sportsmen alimentados com leite de pera distantes da grande maioria da população tratada como sub-humana pelas elites dirigentes de Fluminense, Flamengo e Botafogo. 

Nesse momento os Sportsmen tentaram salvar o que restava de seus planos de manter a bola longe dos Boleiros e pra sorte nossa sofreram um fracasso retumbante. Os Boleiros roubaram a bola dos Sportsmen e fizeram um gol de placa.

Neste episódio todo o Fluminense Footbal Clube, clube pelo qual nutro amores imensos e fanáticos, ficou com o nada legal rótulo de "racista", como se único, como se isolado, como se o detentor, formador e gerador de  uma política coletiva de uma elite racista encastelada na zona sul  e  que convenceu até o clube de operários Bangu Athletic Club e o também elitista clube do Andaraí América Footbal Club. 

A inegável liderança tricolor no mundo do esporte que muito alegrou e alegra sua torcida, neste caso se tornou geradora de um episódio causador de uma imensa nódoa em sua história. E serviu de álibi para coadjuvantes destacados e atuantes como o Flamengo e o Botafogo, que em suas regatas se omitem na história para assumir a co-autoria deste crime, sendo um  inclusive um usuário contumaz de sua popularidade pra fingir que não cometeu o antipopularíssimo ato racista contra o Vasco.

Esse episódio se liga a questões menos citadas que nascem lá na virada do império para a república, opondo uma elite nascida no Brasil aos requicios lusitanos de uma elite mantida ao redor dos palácios imperiais de São Cristóvão, sendo, portanto, um dos fundadores da rivalidade Fluminense e Vasco - e ouso dizer: da oposição do Vasco, um clube com raízes suburbanas, aos times da zona sul (Mesmo que o Vasco tenha nascido como um clube da elite portuguesa quando esta era a tal e não a nova elite, que, nascente, passa a residir na zona sul).

No meio dessa história toda, onde a torcida do Vasco mete bronca no exemplo e protesta trazendo um lado legal de suas raízes pra o protagonismo da luta contra esse mal fedorento que é o racismo, o lançamento pelo clube de uma campanha recente contra o racismo, e relembrando a carta de 1924, também,  é também bastante legal.

Seria muito legal também se os clubes formadores da história toda, os que lançaram o manifesto racista pela exclusão  de jogadores do time do Vasco em 1924, tomassem uma atitude que alimenta e fizessem uma mea culpa apoiando medidas anti-racistas, propagandas nos estádios,etc.  O Fluminense em especial poderia ser um exemplo ao assumir o ato racista de 1924 e efetuar um mea culpa, aderindo formalmente à luta anti racista. 

Um clube protagonista na própria formação do Futebol Brasileiro não pode ficar ad eternum acompanhado da nódoa do racismo oficial em suas belas cores. É antes  de mais nada um  dever do tricolor lutar pela superação de atos contrários à própria fidalguia propagada aos cinco cantos pelas hordas de fanáticos das três cores que traduzem tradição. Não somos os mais educados? É educado ser racista ou ocultar que o foi? Que mensagem ainda queremos passar em nosso elitismo? O bom da Elite,  o exemplo, ou o mal, a exclusão?

É chegada  a hora de lavar o pó-de-arroz do rosto e batalhar pra por lado a lado com nossos erros que culminaram na mancha racista (A exclusão do Vasco em 1924 e o episódio pó-de-arroz em 1914) o acerto da luta anti-racismo e um mea culpa por nossa história ter manchas cruéis do legado de uma elite escravista.

Tá na hora do tricolor ter mais vergonha de seu passado racista do que da besteira de rivais que o acusam de "dever a série B". 

O Coritiba, que sofre com a mesma fama de racista, dá o exemplo ao fazer debates a respeito do racismo no Futebol Patrocinado por ele. O ganho disso como marketing, história e honra para um time com a grandeza do Fluminense seria incomensurável e ajudaria também à medidas de redução do racismo em suas fileiras, de educação e exemplo para todas as outras torcidas.

Não podemos ser responsabilizados pelos crimes do passado, mas podemos mudar o futuro assumindo parte da luta pela correção do semelhante no futuro e lamentando que antepassados ajudassem a construir o racismo do presente.

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