Por Gilson Moura junior
Era 1973. O Chile acabava de sofrer um golpe de estado que afastou do poder o Socialista Salvador Allende assassinando-o e aprisionou de centenas a milhares de pessoas em todo o país, usando inclusive o Estádio Nacional como campo de prisioneiros e de torturas.
Era 1973. O Chile acabava de sofrer um golpe de estado que afastou do poder o Socialista Salvador Allende assassinando-o e aprisionou de centenas a milhares de pessoas em todo o país, usando inclusive o Estádio Nacional como campo de prisioneiros e de torturas.
Era 1973 e iniciava-se uma das mais longes e cruéis ditaduras da história, com assassinatos e torturas para dar e vender, com a crueldade que inspirava e assassinava a canção de Victor Jara e Violeta Parra, direta ou indiretamente.
Era 1973 e o Chile conhecia sua primeira ditadura e as botas estadunidenses vestidas por chilenos em sua sanha pelo controle da América Latina que já havia feito vítimas no Brasil e nascia também na Argentina, no Uruguai e México vestida com a farda verde dos militares.
Era 1973 e o grito de gol foi substituído pelo urro de dor no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Era 1973 e o sangue manchava pela primeira vez as luvas de pelica dos cardeais da FIFA em um processo que levaria cinco anos depois à Copa do Mundo da Argentina, bancada e usada pelos ditadores como propaganda do regime.
Era 1973 e ao menos um ato, um urro silencioso foi ouvido em Novembro, quando a Seleção Chilena enfrentaria, não um rival, uma outra seleção, mas a si mesma diante do silêncio da denuncia.
O Estádio Nacional abrigava agora a marca do sangue das vítimas do estado. Ao invés de uma partida de futebol, uma denuncia feita pela recusa da URSS em jogar a repescagem contra a equipe chilena, abrindo mão de participar da Copa do Mundo em nome da denuncia da barbaridade cometida no Estádio Nacional.
Podemos nos perder aqui numa comparação sobre ditaduras, como se o fato de um país ter sido palco das crueldades de Stálin o tornasse eternamente refém do fato e silenciado sobre qualquer crítica a atos bárbaros. Se assim fosse todos os estados nacionais silenciariam sobre o todo. A Escravidão não torna-se amena se falar inglês ou francês e não idiomas lusófonos.
A questão é que diante do mundo o silêncio no Estádio Nacional promovido pela recusa soviética soou como um grito de gol. Um grito de Gol construído pela solidariedade com torturados e mortos onde antes se jogava a bela bola chilena. Um grito de solidariedade comunista sim, um grito de solidariedade militante.
Diante de um mundo inteiro vimos a solidariedade contra o Estádio. Ouvimos o silêncio e nele se percebia o urro das denuncia das mãos quebradas de Victor Jara, as unhas arrancadas de tantos chilenos que apoiavam um governo democraticamente eleito, a morte da democracia, assassinada, estuprada.
Sabemos disso por termos arquivos sobre o fato, termos fotos, termos o histórico da partida, a cobertura internacional. Sabemos sobre as vítimas da ditadura chilena pela abertura dos arquivos e pela existência de relatórios que investigam os atos do estado contra indivíduos que lutavam ao lado de um governo e leito.
Sabemos do silencioso grito de gol e do eloquente silencio torturado do Estádio Nacional e também das vítimas que no estádio foram conduzidas pelo estado ditatorial de Pinochet à morte. Sabemos disso tudo por existir no Chile arquivos abertos da ditadura. Enquanto no Brasil o silêncio impera, a busca da ocultação dos atos dos ditadores segue ferrenha, inclusive com anuência da mídia que sustentou a ditadura militar.
Cobramos responsabilidade do Estado sobre tudo, sobre os impostos, sobre a copa, sobre o Futebol e nos calamos sobre os corpos empilhados nas manchadas mãos dos cúmplices coma tortura que guardam cadáveres em arquivos e a vergonha do assassínio na alma ferida de nosso país.
Cobramos por impostômetro a redução de tributos, sem refletir para onde vão e o que pagam, mas nos calamos sobre milhares de famílias que não sabem onde estão seus filhos, irmãos, namorados, que não voltaram mais.
Cobramos a prisão de Ricardo Teixeira e de Havelange, mas ignoramos a participação da FIFA na sustentação de ditaduras e no uso de ditadores para alavancar um processo de enriquecimento nunca vista da entidade e de seus dirigentes.
Reclamamos que perdemos a copa de 1978, mas fingimos não ver que o maior vencedor da copa tinha sangue nas mãos e vestia a farda do exército argentino.
Ditaduras e Futebol se entrelaçaram na América durante as décadas de 1960, 1970 e parte da década de 1980, como comprova o clássico "Onde a ARENA vai mal,: Um time no nacional". E o simbolo disto pode ser visto inteiro, imponente, em Santiago do Chile, é o Estádio Nacional.
Neste Estádio uma manifestação denunciou pela recusa, pelo silêncio, a arbitrariedade. Neste Estádio uma seleção se recusou a jogar onde companheiros de ideologia foram mortos.
Neste Estádio jogou-se a partida mais importante da Copa do Mundo de 1974, a partida da Solidariedade contra o Estádio. Quem venceu no dia foi a URSS com sua recusa, mas a manutenção do silêncio sobre mortos e desaparecidos, com anistias e manutenção de inimputabilidade dos assassinos e torturadores indicam que ao fim o Campeonato foi vencido pelo Estádio.
Este post faz parte da Quinta Blogagem Coletiva #desarquivandoBR que se realizará de 28 de março a 02 de abril cuja convocatória pode ser lida aqui: http://desarquivandobr.wordpress.com/2012/03/18/convocacao-da-5a-blogagem-coletiva-desarquivandobr-3/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Gingaê!