Por Gilson Moura Junior
Internacionalmente e historicamente o crescimento do poder dos clubes com relação à gerência do Futebol foi acompanhado pela redução do poder das federações, contestação de convocações às seleções nacionais e redução paulatina do valor das competições internacionais de seleções aos olhos do amante comum do velho e violento esporte bretão.
A expansão do valor das competições interclubes foi crescendo ao ponto da própria Mãe FIFA partir pra ignorância na direção do domínio do mundial interclubes que, de uma competição entre confederações continentais e até marginal aos olhos da GodMother, passou ao status de FIFA World Cup. Isso ocorre primeiramente a partir do mundial biônico de 2000, quando concorria ainda com a Copa Toyota (o mundial tradicional até ali que eclipsou os jogos de ida e volta continentais que ocorreram até 1978, salvo engano, e se tornou hegemônico por quase vinte anos), e se torna depois oficial a partir de 2005 com o mundial vencido pelo SPFC de Rogério Ceni.
A Copa do Mundo no entanto permanece como a única competição internacional de seleções que mobiliza mundialmente de forma apaixonada a massa futeboleira perdida nos pântanos da paixão nacional de mais de 90% do planisfério. Fora a Copa só a Eurocopa consegue mobilizar regionalmente com o tanto de paixão que uma competição tem de ter pra ser chamada de sua pelos torcedores.
Ao mesmo tempo a Champions League e a Libertadores deixa muita cueca e calcinha molhada de poluções noturnas em mais residências do que pode visitar o Ibope. Vagabundo dorme e acorda pensando naquilo. O mesmo ocorre na Copa dos Campeões CONCACAF e Liga dos Campeões da AFC, e não duvido se na Oceania e África o bicho não pegue de costas no amor ao esporte mais fodão do mundo vestindo as camisas de clubes.
A antiga e presente paixão do torcedor, "esse apaixonado" segundo jornalistas "desapaixonados", pelos clubes, suas cores, tradições e associação quase que familiar, fortalece-se com a valorização cada vez maior, que vai desde o viés econômico até o aspecto subjetivo da rivalidade, das competições continentais como Libertadores e Champions.
O maior volume de recursos presentes na atual situação da economia do esporte amplia premiações, amplia visibilidade internacional, mexe com planos de marketing e foca em competições cuja visibilidade de uma marca pode alcançar mercados ainda virgens da presença de, por exemplo, uma Unimed da vida. Isso se soma à ampliação do número de clubes campeões das copas continentais e ao acirramento da rivalidade nos países e cidades a partir disso, também o aspecto da redução de fronteiras pela melhoria da infraestrutura de transportes e comunicação ampliam a facilidade de conhecer outros clubes, outros centros de futebol, outras culturas e também o de gerar rivalidades antes inexistentes.
Se antes Brasil e Argentina eram unidades concretas de rivalidade esportiva, hoje Fluminense e LDU ocupam este espaço com muito mais frequência (e talvez eficiência), mexendo com emoções, mexendo com amores e ódios. O Futebol Uruguaio, Argentino e Brasileiro continuam sendo representados, mas, antes da unificadora nação de chuteiras, talvez os guerreiros de diversos "clãs" como os Carboneros, tricolores, alvinegros, Xeneizes e colorados sejam hoje mais simples representação da paixão nacional vestindo chuteiras do que as antigas armaduras dos reinos centrais.
As "nações unificadoras" no esporte perdem espaço pra "reinos" locais, que inclusive se tornam aliados entre si pelas cores e tradições e menos pela língua que falam e origem à qual pertencem, vide liga dos urubus e União Tricolor Velez-Fluminense.
Neste mesmo quadro, neste mesmo contexto, as seleções nacionais são por vezes contestadas por torcidas e clubes por tirarem jogadores de seus times em momentos importantes, pelos jogadores se contundirem a serviço da "nação" e, inclusive, pelo excesso de competições "menos importantes" das seleções que atrapalham "o que vale" e está sendo disputado pro clubes.
A própria visibilidade da seleção pelos "amantes" é menor do que qualquer jogo do Corinthians ou Flamengo e não duvido que o Barcelona leve mais gente à frente da TV que a seleção da Espanha. Sem contar que o futebol de clubes pode superar até possíveis nacionalismos, como no caso da equipe blaugrana, ao levar uma paixão para além das fronteiras nacionais seja pelo amor em si à camisa ou pelo futebol praticado.
Nesse quadro de redução da importância do papel das seleções nacionais e ampliação da importância das disputas entre clubes e, porventura, do poder econômico e político destes em relação a federações e a confederações, é que se entende ser propício à discussão sobre a necessidade das seleções nacionais de mesmo existirem.
Se antes tiveram o papel de fomentar o futebol mundo afora dentro do contexto de fronteiras nacionais firmes e rígidas, hoje as seleções mantém uma lógica de busca de costura de laços nacionais que são em tese mais fragmentados do que firmes e que por vezes são falsos, artificiais. Se mesmo em um país como o Brasil, com certa "solidez" de laços que unificam diferenças regionais, especialmente via língua, há uma nítida diversidade que tradicionalmente contesta o "brasileirismo" ao se notar a alimentação de preconceitos regionais, imagine em um país como a Espanha onde a Galiza, País Basco e a Catalunha não se identificam com o Estado espanhol.
Serão as seleções realmente nacionais? Será a seleção brasileira ou será ela uma seleção de um eixo econômico que centraliza o futebol, que reúne recursos e estrangula centros menos "gordinhos' em termos econômicos? Será a seleção Espanhola ou a de uma força de ocupação que se alimenta de catalães para sustentar um título que deveria nem falar a língua de aragão?
Vosso escriba nunca se sentiu muito bem em nacionalismos, porém também não pretende inflamar separatismos nem mandar o Rio Grande do Sul ser o Uruguai do Norte, apesar de apoiar incondicionalmente a independência basca, catalã e galega, por exemplo. Mas é necessário discutir essas formas de transformação de paixões locais universais, por serem "aldeia", em alimentadores de uma ideia de "nação" unificadora, estranguladora do diverso e, pior, sugadora de recursos humanos e financeiros das "aldeias'.
Não é de hoje que somos menos "Brasileiros com muito orgulho e muito amor" e mais "Sou Tricolor de Coração, sou do clube tantas vezes campeão" ou Saudamos o "Tricolor Paulista, amado Clube Brasileiro" ou "o Campeão dos Campeões" ou "o Galo Forte e Vingador".
Somos mais e mais nossas cores e menos cores centralizadas, com menos cara, menos gente, menos sonho, menos sangue e mais e mais distante de nossas arquibancadas e amores e bandeiras. Queremos Copas do Mundo ou que nosso pavilhão erga todo ano uma libertadores e possamos gritar no ouvido de nosso amigo rival nosso urro primal de "É campeão, porra!"? E nem peguei pelo aspecto do argumento fundamental dos bancos de plástico dos botecos e arquibancadas: "Porra, vou ligar pra Buenos Aires pra zoar Argentino se a SeleBF vencer o mundial? Não, mas vou zoar Vascaíno e Mulambo se o Flu for campeão da Libertadores, pô!".
Somos menos nacionais e mais universais, por sermos cada vez mais aldeia. Talvez seja a hora de dependermos menos de cercas embandeiradas que separam quintais.